segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

DA ORIGEM DAS IDEIAS

- Existe uma difenrença considerável entre as percepções da mente. Quando um homem sente a dor de um calor excessivo ou o prazer de um ardor moderado traz à memória a sua sensação ou a antecipa mediante a sua imaginação. Estas faculdades podem mimar ou copiar as percepções dos sentidos, mas nunca podem inteiramente atingir a força e vivacidade do sentimento original. 0 máximo que delas afirmamos, mesmo quando actuam com o maior vigor, é que representam o seu objecto de uma maneira tão viva que poderíamos quase dizer que o sentimos ou vemos.
Se alguém me diz que uma pessoa está apaixonada, eu facilmente compreendo o que quer dizer, e formo uma justa concepção da sua situação, mas nunca posso confundir esta concepção com as desordens e as agitações da paixão. Quando reflectimos acerca dos nossos sentimentos e estados de ânimo passados, o nosso pensamento é um espelho fiel e copia os seus objectos com verdade;

- Podemos, pois, dividir aqui todas as percepções da mente em duas classes ou tipos, que se distinguem pelos seus diferentes graus de força e vivacidade. As menos intensas e vivas são comummente designadas Pensamentos ou Ideias. O outro tipo carece de um nome na nossa lín­gua e em muitas outras.
Usemos, pois, de um pouco de liberdade e chamemos-lhes Impressões, empre­gando esta palavra num sentido um tanto diverso do habitual. Pelo termo impressão significo todas as nossas percepções mais vivas, quando ouvimos, vemos, sentimos, amamos, odiamos, desejamos ou queremos. E as impressões distinguem-se das ideias, que são as impressões menos intensas, das quais somos conscientes quando reflectimos sobre qualquer das sensações ou movimentos acima mencionados.


- Nada, à primeira vista, pode parecer mais livre do que o pensamento do homem, que não só se esquiva a todo o poder e autoridade humanos, mas nem sequer está encar­cerado dentro dos limites da natureza e da realidade. Quando o corpo está confinado a um planeta, ao longo do qual se arrasta com dor e dificuldade, o pensamento pode, num instante, transportar-nos para as mais distantes regiões do universo ou mesmo para lá do universo. Mas, embora o nosso pensamento pareça possuir esta liberdade irrestrita, veremos, num exame mais pormenorizado, que se encontra realmente confinado a limites muito estreitos e que todo este poder criador da mente nada mais vem a ser do que a faculdade de compor, transpor, aumentar ou diminuir os materiais que nos são fornecidos pelos sentidos e pela experiência. Em suma, todos os materiais do pensamento são derivados da sensibilidade externa ou interna e destes pertencem apenas à mente e à vontade. Ora, para me expressar em linguagem filosófica, todas as nossas ideias, ou percepções mais fracas, são cópias das nossas impressões mais intensas.

- Os dois argumentos seguintes serão, espero, sufi­cientes para provar isto. Primeiro, ao analisarmos os nossos pensamentos ou ideias, por muito compostas e sublimes que sejam, sempre descobrimos que elas se resolvem em ideias tão simples como se fossem copiadas de uma sensação ou sentimento precedente. A ideia de Deus, significa um Ser infinitamente inteligente, sábio e bom, promana da reflexão sobre as operações da nossa própria mente, e eleva sem limite essas qualidades da bondade e sabe­doria. Aqueles que afirmarem que esta posição não é universalmente verda­deira nem sem excepção têm um só e fácil método de a refutar, apresentando essa ideia que, na sua opinião, não é derivada desta fonte. Compete-nos, pois, a nós, se havemos de manter a nossa doutrina, mostrar a impressão, ou a percepção viva que lhe corresponde.

- Segundo, se acontecer que um homem, em virtude de um defeito dos órgãos, não é susceptível de qualquer espé­cie de sensação, vemos sempre que ele é igualmente pouco susceptível das ideias correspondentes. Um homem cego não pode formar nenhuma noção das cores, e um surdo, dos sons. Restitua-se a cada um deles o sentido em que é deficiente. Um lapão ou um negro não têm noção do paladar do vinho, embora haja poucos ou nenhuns exemplos de uma semelhante deficiência na mente, em que uma pessoa nunca reconheceu ou é totalmente incapaz de um sentimento ou paixão que pertence à sua espécie, no entanto, descobrimos que a mesma observação ocorre num grau menor. Admite-se prontamente que outros seres possam possuir muitos sentidos dos quais não temos nenhuma noção, porque as ideias deles nunca nos foram introduzidas da única maneira pela qual uma ideia pode ter acesso à mente, isto é, através da sensibilidade e da sensação efectivas.


- Existe, um fenómeno contraditório que pode provar que não é absolutamente impossível surgirem ideias independentes das suas impressões correspondentes. Creio que sem grande esforço se admitirá que as várias e distintas ideias de cor, que entram pelos olhos, ou as de som, que são trans­portadas pelos ouvidos, são realmente diferentes umas das outras, embora, ao mesmo tempo, se assemelhem. Ora, se isto é verdade a respeito das diferentes cores, também o não deve ser menos acerca dos diferentes matizes da mesma cor; e cada matiz produz uma ideia distinta, independente do resto. Suponhamos, pois, que uma pessoa desfrutou da sua visão durante trinta anos e que se tornou perfeitamente familiarizada com cores de todas as espécies, excepto com um matiz particular de azul, é evidente que ela percepcionará uma lacuna, onde essa cor falta, e terá consciência de que nesse lugar há, entre as cores contíguas, uma distância maior do que em qualquer outro. Pergunto eu, agora: ser-lhe-á possível, pela sua própria imaginação, suprir tal deficiência e ascender por si mesma à ideia desse matiz particular, embora nunca lhe tenha sido transmitida pelos sentido? Creio que serão poucos os que não
tenham a opinião de que ela pode: e isto pode servir de prova de que as ideias simples não são sempre, em todas as circuns­tâncias, derivadas das impressões correspondentes, embora este exemplo seja tão singular que dificilmente é digno da nossa observação e não merece que por ele apenas, tenhamos de alterar a nossa máxima geral.


- Eis aqui uma proposição que não só parece, simples e inteligível, mas que se dela se fizesse um uso conveniente, poderia tornar igualmente inteligível toda a disputa e banir toda aquela gíria que até agora, se apoderou dos raciocínios metafísicos e sobre eles lançou a vergonha. Todas as ideias, em especial as abstractas, são naturalmente vagas e obscuras e são propensas a confundir-se com outras ideias semelhantes, temos a inclinação para imaginar que possui uma ideia determinada a ele anexa. Pelo contrário, todas as impressões, isto é, todas as sensações, quer externas ou internas, são fortes e vivas; os limites entre elas estão mais exactamente determinados, e nem é fácil cair em erro ou engano em relação a elas. Por consequência, precisamos apenas de perguntar: de que impressão deriva esta suposta ideia? Mediante esta tão clara elucidação das ideias, podemos justamente esperar remover toda a disputa que possa surgir acerca da sua natureza e realidade

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